Foto: Priscilla Caroline. Site Blogueiras Feministas |
Feminismo. Feminismo Negro. Transfeminismo.
Feminismo Intersecional? O fato de que existem mulheres e as suas
particularidades, sejam inseridas em uma ordem econômica, social, étnica ou
cisgênera fez com que surgisse o feminismo intersecional. Ele engloba essas
singularidades, que provocam privilégios, preconceitos ou até discriminação,
inserindo-os no âmbito social. No texto a seguir, Ava Vidal aborda a
intersecionalidade. (Carolina Ferreira)
Publicado originalmente com o título: ‘Intersectional feminism’. What the
hell is it? (And why you should care) no site do jornal inglês
The Telegraph, em 15/01/2014. Republicado por Blogueiras Feministas, em 24/07/2014, clique aqui.
Por Ava Vidal
A intersecionalidade é um termo cunhado pela professora norte-americana
Kimberlé Crenshaw em 1989. O conceito já existia, mas ela deu um nome a ele. A
definição segundo seu livro é:
A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações
variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão
não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos
sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero,
classe, capacidades físicas/mentais e etnia.
Em outras palavras, certos grupos de mulheres têm que lidar com
múltiplas facetas na vida, que possuem diferentes camadas. Não há um tipo de
feminismo tamanho único. Por exemplo, eu sou uma mulher negra e, como
resultado, enfrento tanto o racismo como o sexismo ao caminhar em minha vida
cotidiana.
Mesmo com o conceito de intersecionalidade rondando o femininsmo há
décadas, parece que ele só foi incluído no debate majoritário no ano passado ou
alguns anos atrás. E, ainda assim, muitas pessoas estão confusas com o seu
significado ou o que ele representa.
Não ajuda em nada que, nos últimos meses, as mensagens difundidas sobre
o feminismo intersecional tenham sido um pouco confusas. No último programa “Hora da Mulher de 2013” da BBC Radio 4, a feminista negra Reni Eddo-Lodge foi convidada
para debater como foi o ano do feminismo. Ela começou a falar sobre
intersecionalidade e racismo estrutural, mas foi seguida por Caroline Criado
Perez, que escolheu aquele momento para falar sobre insultos que ela havia
recebido na internet vindos de pessoas que a atacaram sob o pretexto, segundo
ela afirmou, da intersecionalidade.
Eu preciso avisar que Eddo-Lodge não foi responsável por nenhum dos
insultos que ela recebeu, mas a conversa descarrilou e a oportunidade que ela teve de falar sobre o assunto para uma grande audiência, num programa popular
de rádio, foi perdida.
Independentemente disso, o que realmente importa aqui é: as pessoas
estão interessadas em saber o que é intersecionalidade e como isso as afeta?
Estou ansiosa para redirecionar essa conversa de volta ao tema da
intersecionalidade no feminismo e o que isso realmente significa.
Para mim, o conceito é muito simples. Como feminista negra, eu não
desculpo Chris Brown por agredir fisicamente sua (então) namorada Rihanna, mas
sou contra que alguém o descreva como um ‘preto s****o’, do mesmo modo que uma
mulher branca fez comigo. Isso não significa que eu apoio a violência
doméstica, como ela, então, me acusou de fazer. Isso significa que eu, como a
maioria das mulheres negras, não suporto o racismo.
A principal coisa que a ‘intersecionalidade’ está tentando fazer, eu
diria, é evidenciar que o feminismo, que é excessivamente branco, classe média,
cisgênero e capacitista, representa apenas um tipo de ponto de vista — e não
reflete sobre as experiências de diferentes mulheres, que enfrentam múltiplas
facetas e camadas presentes em suas vidas.
Roqayah Chamseddine é uma feminista e escritora que explica isso melhor,
dizendo: “O feminismo branco é extremamente reticente e se recusa a reconhecer
os obstáculos que as mulheres não-brancas enfrentam sistematicamente, já que
elas não são visíveis. Nossas vozes precisam ser ampliadas porque o feminismo
branco nos trata como um troféu e usurpa nossas vozes.”
Então, até que o movimento feminista majoritário comece a ouvir os
diferentes grupos de mulheres dentro dele, ele vai continuar a estagnar e não
será capaz de seguir em frente. O único resultado disso é que o movimento
torna-se fragmentado e continuará a ser menos eficaz.
Racismo no feminismo
Sempre que o tema do racismo é levantado no feminismo, não é diferente
de quando esse tema é proposto em qualquer outro espaço de debate. Os discursos
banais habituais são usados e a acusação de “dividir o movimento” é muitas vezes atirada ao redor.
A frase “verifique seus privilégios” que geralmente acompanha muitas
discussões sobre intersecionalidade, é um exemplo. No Twitter, no início de
janeiro, houve uma hashtag iniciada por uma feminista branca:
#ReivindicandoIntersecionalidadeEm2014; que levou muitas feministas negras a
questionarem como ela pretendia recuperar algo que nunca tinha sido dela em
primeiro lugar.
Mas isso prova que o conceito realmente tornou-se popular, agora que há
o risco de ser apropriado.
Há a crença equivocada de que o único “privilégio” que você pode ter se
refere à cor da pele. Este não é o caso. Você pode ser privilegiado por causa
de sua classe social, formação educacional, religiosa, ou pelo fato de que você
tem capacidades mentais e físicas ou é cisgênero. Um monte de mulheres negras
podem e têm privilégios também.
Um usuário do Twitter disse: “O fato de que um importante conceito
feminista foi… empurrado para dentro das discussões majoritárias irrita as
feministas brancas que se recusam a reconhecer que elas se beneficiam de um
sistema patriarcal, supremacista, heteronormativo e branco.”
Veja esta citação da famosa feminista negra e mulherista Alice Walker,
que disse: “Parte do problema com as feministas ocidentais, eu acho, é que elas
se comparam com seus irmãos e seus pais. E isso é um problema real.”
Eu lembro de uma discussão que tive com uma senhora muçulmana que me
disse: “Eu odeio o feminismo. Não há necessidade para isso existir e eu não
quero ter que carregar caixas pesadas só porque vocês, mulheres, querem lutar
para serem iguais aos homens.”
O quê?! Eu tive que enumerar algumas coisas para ela. Primeiro de tudo,
o feminismo não é sobre ter o direito de carregar caixas pesadas. E, como uma
mulher negra que mede 1,80m de altura, posso assegurar-lhe que ser vista como
fraca fisicamente não foi um problema que eu tive que enfrentar na minha vida
adulta. Na verdade, nas poucas ocasiões em que pedi ajuda a homens por causa de
um objeto pesado, eles riram de mim e disseram coisas como: “Vamos lá, amor!
Não finja que você não consegue lidar com isso. Uma moça robusta como você!”
Enquanto conversávamos, ficou evidente que o problema dela era com o
feminismo majoritário. Ou seja, o feminismo que é esmagadoramente branco,
classe média, cisgênero e capacitista. Quando vozes são marginalizadas dentro
de um movimento, até o ponto em que há mulheres que nem sequer pensam que o
feminismo é para elas, o único resultado disso é que o movimento está
enfraquecido e cada vez menos eficaz. Por exemplo, tenho ouvido as feministas
tradicionais que estão tentando proibir o véu apesar da resistência de mulheres
muçulmanas, afirmam que elas não sabem o se passa em suas próprias mentes, e
querer usar o véu é o resultado óbvio dessa doutrinação.
Então, o que podemos aprender com tudo isso? Como vimos, em discussões
acaloradas numa rádio no final do ano passado, é fácil nos atolarmos em
palavras e em discussões no estilo ele-disse-ela-disse, o que isso significa e
o que aquilo significa.
Intersecionalidade ainda é um termo relativamente novo para as massas —
mas, sua mensagem é algo com o qual certamente qualquer feminista pode
estabelecer uma relação ao começar a ouvir e incluir diferentes grupos de
mulheres, suas múltiplas facetas e experiências de vida nos debates em geral e
respeitá-las.
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