terça-feira, 5 de agosto de 2014

Eu não devia precisar de uma desculpa para ser virgem


Shae Collins. Foto: site Xojane


Os debates dos posicionamentos do feminismo com relação à sexualidade têm seus pontos mais populares: violência sexual, prostituição e ainda a prática da libertação sexual. Neste último, temos uma das questões: “quão libertas ou castas podemos ser, afirmando que esta decisão não é o patriarcado que a está direcionando?”. O texto fomenta uma reflexão sobre ser virgem e ser feminista, através do relato de uma jovem de 22 anos. (Carolina Ferreira)

Por Shae Collins
Alguns meses atrás, minhas amigas estavam ao redor de uma mesa falando sobre os lugares mais bizarros em que já fizeram sexo. Quando chegou na minha vez, seus queixos caíram com minha resposta. Então, alguém soltou um suave “Awww”, — do tipo que você faz para um bebê, logo depois que ele solta um arroto. Foi a primeira vez que eu admiti para um grupo de feministas que eu era virgem — algo do qual eu tive vergonha por um tempo.
Eu não sou religiosa, não tenho medo de sexo e tenho um namorado incrível há 2 anos, que estaria na minha porta em segundos com uma caixa de preservativos se eu fizesse aquela ligação convocando-o. Além de tudo isso, de vez em quando escrevo para um site sobre sexo chamado ‘Slutist’. Mas, apesar de todos esses fatores, eu sou uma virgem de 22 anos.

Eu sei que 22 anos não significa ser muito velha. Porém, em um país em que a média de idade da perda da virgindade é aos 17 anos, onde adolescentes estão fazendo sexo em programas populares da TV (eu tenho certeza que daqui a alguns anos, até mesmo personagens do canal Disney Channel estarão fazendo sexo), e as feministas têm trabalhado incansavelmente para incentivar jovens mulheres a abraçarem sua sexualidade, 22 anos parece um pouco fim de jogo. Meus poucos amigos virgens e eu somos vistos como os esquisitos.
A maioria das pessoas não entende isso — nem mesmo minha própria mãe, que está começando a se perguntar se algo está psicologicamente errado comigo.
O que minha mãe e meus amigos não sabem é que, assim como eles, eu também não entendo porque não estou fazendo sexo.
“Sim, eu me sinto fisicamente atraída por ele”, expliquei a um dos meus melhores amigos no telefone quando precisei de algum conselho sobre o assunto. “Sim, nós damos amassos — mas não muito mais que isso. Sim, eu tenho certeza que ele é o cara com quem quero estar. Sim, um dia eu vou fazer sexo com ele, mas eu só não sei quando”.
Minha condição de feminista aumenta minha vergonha de ser virgem. No reino feminista a virgindade é frequentemente associada com “o patriarcado”. É uma das metades do binarismo sexista que envergonha as mulheres. Virgens não ganham muito amor ou atenção em círculos feministas, onde tantas mulheres lutaram pelo direito de serem descaradamente sexuais. Feministas têm sites dedicados a preferências e fantasias sexuais, defendemos que tudo se resume ao direito da mulher de ter controle sobre seu corpo e algumas de nós tem orgulho em se denominar putas ou vadias.
Entre minhas colegas e amigas feministas sexo parece ser a norma. E, já que eu não estou fazendo, comecei a me perguntar o que diabos havia de errado comigo. Por que não sou sexualmente liberal como todo mundo? Eu tinha vergonha por ainda não ter abraçado a minha sexualidade. Então, eu tentei me apressar para estar pronta para o sexo.
Eu olhei para o meu passado para explicar a minha condição de virgem, questionando se as muito frequentes conversas sexuais com minha mãe estavam ou não na raiz do problema. Minha mãe seguiu uma linha ‘tradicional” em seu estilo de criação e usou uma tática de 2 passos ao falar sobre sexo: assuste e repita. Ela, constantemente, me questionava se eu estava fazendo sexo ou não e sempre me lembrava das consequências.
“É melhor não trazer bebês para casa”, dizia minha mãe, de uma maneira em parte jocosa, mas obviamente séria. As conversas tornaram-se mais frequentes depois que fui pega beijando um menino na 8ª série. Minha mãe ficou, evidentemente, chocada. Minha reputação de boa moça foi contaminada e eu não conseguia olhar nos olhos de minha mãe. Ela me colocou de castigo por 3 meses, mas eu carreguei a humilhação por bem mais tempo.
Então, eu, assim como muitas meninas com educações rígidas, cresci associando sexo com vergonha, gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis.
Porém, me prender ao meu “problema da virgindade” na minha infância não respondeu minhas perguntas, nem me fez querer sair e ter relações sexuais. Então, comecei a procurar maneiras de me “libertar sexualmente”. Escrevi artigos para jornais com títulos como “Onde está a minha agência sexual?” e “Meu monólogo pessoal da vagina”.
Eu considerava a assexualidade como uma possibilidade, porque eu raramente tenho o desejo físico de fazer sexo, mas não tinha certeza. Pesquisar sobre o tema gerou novos temores e perguntas: sou assexuada? Como eu poderia saber se sou assexuada sendo que nunca tentei ter relações sexuais? Se eu sou, meu namorado ou quaisquer futuros parceiros aceitariam isso?
O absurdo girou na minha cabeça e consumiu meus pensamentos durante meses, até que um dia me deu um estalo. Minha voz interior falou para mim como se eu fosse uma criança estúpida: “Shae, mande tudo pro inferno! Se você não está pronta, então você não está pronta. Por que a pressa?”. (Minha voz interior tem um jeito bem agressivo).
Por todas as horas em que eu tinha gasto escrevendo, pesquisando, lendo e pensando sobre a minha sexualidade, eu não estava disposta a aceitar uma explicação tão simples. Mas, eu finalmente percebi que estava jogando o jogo de outra pessoa. Assim como minha mãe, professores e mentores me ensinaram a não permitir que os meninos me pressionassem a fazer sexo quando eu estava na escola, eu tinha que me ensinar novamente a não permitir que as idéias de outras pessoas sobre sexualidade ditassem minha vida sexual.
Eu tenho que constantemente me lembrar que não há nada de errado comigo ou com qualquer outra pessoa que não está fazendo sexo, seja por razões espirituais, histórias traumáticas ou falta de interesse. Eu tinha que perceber que o que é sexualmente “apropriado” ou normal para uma pessoa não significa necessariamente que funciona para todas.
Resumindo: eu não estou pronta. Não há necessidade de vir com alguma desculpa esfarrapada sobre minha infância quando as pessoas perguntam por que eu ainda sou virgem. Não há necessidade de tentar me forçar a fazer algo que eu não quero. E não há necessidade de tentar ser normal.
Sou uma virgem de 22 anos de idade e eu estou bem com isso.

Publicado originalmente com o título: ‘I shouldn’t need an excuse to be a virgin' no site Xojane.com 10/03/2014. Republicado por Blogueiras Feministas (Eu não devia precisar de uma desculpa para ser virgem), em 29/07/2014.

A autora

Shae Collins mora em Los Angeles. É escritora freelancer e criadora do blog A Womyn´s Worth, onde escreve sobre raça, gênero e cultura pop com foco nas mulheres negras. 

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