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Múltiplas identidades - foto: Luís Marques |
Reconvexo
é o título de composição feita por Caetano Veloso, famosa na voz de sua irmã,
Maria Bethânia, escrita especialmente para ela interpretar. A música é um grito
de construção identitária e percorre o mundo da Bahia, fazendo referências
também à cultura internacional.
A palavra Reconvexo, segundo nossa interpretação, é
um tipo de “posição” na qual nem é convexo, nem côncavo, mas sim uma mistura de
ambos. A letra, então, suscita um conjunto de reflexões sobre a construção de
gênero. Ao mesmo tempo que se pode ser “a
chuva que lança areia do Saara”, também é possível ser uma “sereia que dança, a destemida Iara” ou
ainda, “o cheiro dos livros
desesperados”. Ou seja, o ser humano como tal é constituído de várias
identidades que não são especificamente rígidas, mas sim, fluidas.
Um fato interessante na letra é a junção das
palavras Gita e Gogóia. A primeira é título da composição de Raul Seixas em
parceria com Paulo Coelho, que dá nome ao álbum de maior sucesso, de 1974, da
carreira de Raul Seixas, e também desenha uma consciência sobre o eu-lírico da
canção. Ela faz uma referência ao
Bhagavad-Gitā,
um dos textos sagrados do Hinduísmo. Já a segunda faz parte de música (Fruta Gogóia) gravada por Gal Costa no
LP Fa-Tal, de 1971, pinçada do
folclore baiano. As duas músicas também mostram construções de identidades.
Ambas, incluindo a de Caetano, começam com um pronome e um verbo que os
filósofos desde a antiguidade vêm (re)pensando sobre: eu sou.
Luís Marques
Confira a
letra da canção:
Reconvexo
Caetano Veloso
Eu sou a chuva que lança a areia do
Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da
Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não
Eu sou o preto norte-americano forte
Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música a mais velha
Mais nova espada e seu corte
Eu sou o cheiro dos livros
desesperados, sou Gitá gogoya
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo
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