terça-feira, 13 de maio de 2014

A letra de Caetano

Múltiplas identidades - foto: Luís Marques


Reconvexo é o título de composição feita por Caetano Veloso, famosa na voz de sua irmã, Maria Bethânia, escrita especialmente para ela interpretar. A música é um grito de construção identitária e percorre o mundo da Bahia, fazendo referências também à cultura internacional.

A palavra Reconvexo, segundo nossa interpretação, é um tipo de “posição” na qual nem é convexo, nem côncavo, mas sim uma mistura de ambos. A letra, então, suscita um conjunto de reflexões sobre a construção de gênero. Ao mesmo tempo que se pode ser “a chuva que lança areia do Saara”, também é possível ser uma “sereia que dança, a destemida Iara” ou ainda, “o cheiro dos livros desesperados”. Ou seja, o ser humano como tal é constituído de várias identidades que não são especificamente rígidas, mas sim, fluidas.

Um fato interessante na letra é a junção das palavras Gita e Gogóia. A primeira é título da composição de Raul Seixas em parceria com Paulo Coelho, que dá nome ao álbum de maior sucesso, de 1974, da carreira de Raul Seixas, e também desenha uma consciência sobre o eu-lírico da canção. Ela faz uma referência ao Bhagavad-Gitā, um dos textos sagrados do Hinduísmo. Já a segunda faz parte de música (Fruta Gogóia) gravada por Gal Costa no LP Fa-Tal, de 1971, pinçada do folclore baiano. As duas músicas também mostram construções de identidades. Ambas, incluindo a de Caetano, começam com um pronome e um verbo que os filósofos desde a antiguidade vêm (re)pensando sobre: eu sou.

Luís Marques
Confira a letra da canção:

Reconvexo
Caetano Veloso

Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não
Eu sou o preto norte-americano forte
Com um brinco de ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música a mais velha
Mais nova espada e seu corte
Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo

Vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=qXd04dhUJBM [Reconvexo – Maria Bethânia. Turnê Amor Festa e Devoção]
https://www.youtube.com/watch?v=AVciSGQ6e9I [Fruta Gogóia – Gal Costa. Turnê Hoje]

https://www.youtube.com/watch?v=84zGRJbtMDM [Gita – Maria Bethânia. Turnê Tempo Tempo Tempo Tempo]

12 comentários:

  1. Um adendo: reconvexo seria o contrário de recôncavo, aonde Caetano se refere ao recôncavo baiano (área geográfica que corresponde a várias cidades ao redor da baía te todos os santos) , uma vez que a música se refere a vários itens da cultura baiana e mundial. ;)

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  2. Adooooroo 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  3. A música é uma crítica( eu diria uma bela porrada) ao jornalista Paulo franciF que vivia implicando com Caetano.

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  4. Maravilhoso Caetano e seus amigos que louvam e exaltam nossa brasilidade, nossa cultura dos povos originários sulamericanos e dos povos africanos. Viva a Caetanidade!!!
    Mais Brasilidade, Sulamericanidade e menos europocentrismo macho/branco de guerra e exclusão!

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  5. A música é uma demonstração da inteligente do seu autor, ele fez pra irmã Betânia, mais o show mesmo de interpretação é ele quem dá à musica
    Emocionante quando ouvida em som stereo, a batida do contrabaixo e percussão

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  6. E o que Caetano quis dizerno trecho
    Sou Gita gogoya seu olho me olha e não consegue alcançar...

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    1. Fita, música de Raul Seixas, gogoia, outra canção popular.
      Todas duas com a mesma estrutura , eu sou...
      Reverenciando o sagrado de fita e o terreno da música gogoia.

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    2. Ele faz uma crítica ao jornalista PAULO Francis que subestimava a cultura brasileira no exterior, falando basicamente mal de nosso hábitos, pelos jornais europeus. Ou seja, mesmo sendo um brasileiro PAULO Francis não enxergava com realidade e ombridade a própria cultura.

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  7. Pode haver sim uma resposta ao Jornalista Paulo Francis como tudo indica, ele faz menção e exaltação claras à nossa cultura, à cultura Baiana principalmente. Porém, essa frase "o seu olho me olha, mas não me pode alcançar" é para mim muito enigmática. Outra vez disse Raul "no cume calmo, do seu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador". Ou seja, esta é a primeira vez em que vejo falar de forma aparentemente negativa sobre esse tal olho misterioso tão presente na simbologia religiosa.

    Esta frase sempre passa desapercebida nas tentativas de se explicar essa música, entretanto a própria canção Gita faz menção à aquele que tudo vê e deixa a dúvida sobre se é bom ou mal, aliás deixa claro, "eu sou o bem e o mal".

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