Discutindo Gênero: novo gênero
surge como opção para identificar as pessoas que não se encaixam nem com o
masculino nem com o feminino. Jovem paulistano Purin conta como se descobriu um
neutro. Reportagem divulgada pelo site (www.ig.com.br), no dia 17 de abril de
2014. (Rodrigo Andrade).
Por Iran Giusti
No
início deste mês de abril, a Suprema Corte da Austrália reconheceu os
‘neutros’, pessoas que não se identificam nem como homem nem como mulher. A
Justiça australiana tomou essa decisão depois de ser acionada por Norrie, que
nasceu homem e fez uma cirurgia de mudança de sexo para se tornar mulher, mas
que não conseguiu se encaixar no escaninho ‘feminino’. Do outro lado do
hemisfério, na Índia, o Supremo Tribunal reconheceu na última terça-feira (15)
a existência de um terceiro gênero só para os transexuais.
Foto:
arquivo pessoal de Purin. Jovem optou pelo gênero neutro por não se identificar
com os gêneros binários
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Junto
a outras sentenças de tribunais ao redor do globo, essas duas decisões
evidenciam que o padrão binário feminino e masculino já não dá conta de
encaixar as identidades sexuais existentes. A professora de inglês Purin, 20,
percebeu este desencaixe logo na infância.
“Quando eu era menor, lembro-me de pentear os
cabelos da minha mãe e pensar que eu queria ser mulher porque só elas tinham
cabelos grandes, roupas bonitas e coloridas. Conforme fui crescendo, descobri
que homens também podiam fazer essas coisas, mas eram vistos pela sociedade de
uma forma pejorativa, como um homem tentando ser mulher. Tudo passava pela
minha cabeça em meio a uma confusão mental sem igual, porque não sabia se eu
era homem ou mulher”, relata Purin, que nasceu biologicamente com o sexo
masculino.
Purin
teve o insight de que era alguém do gênero neutro quando se deparou com a
chamada Teoria Queer. A corrente de pensamento originada nos Estados Unidos
defende que a orientação sexual e a identidade sexual ou de gênero são
construções sociais e não apenas condições biológicas. A doutrina assinala
ainda a existência da heteronormatividade, que é a imposição de padrões de
comportamento pela maioria heterossexual.
“Comecei
a querer ser tratada pelo pronome feminino. Modifiquei meu nome nas redes
sociais. Muitas coisas começaram a se acalmar dentro de mim”, conta a
professora, que adotou este nome por ele não poder ser identificado com nenhum
gênero. Mas ao falar de si, Purin usa pronomes e artigos femininos.
“24
horas por dia, sete dias por semana, a minha aparência, voz e imagem dizem que
o pronome masculino é o correto para mim. Mas eu não me identifico com isso,
por isso uso o feminino. Porque além de muitas pessoas não saberem como
utilizar pronomes neutros, elas ainda insistem em querer me tratar como homem”,
justifica Purin, que em breve vai diluir mais um padrão de gênero, atuando como
drag queen.
EXISTE
MESMO UM GÊNERO NEUTRO?
Doutor
em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII, o
psicanalista Pedro Paulo Ceccarelli entende que antes de qualquer mudança nos
padrões de gênero, é preciso tornar mais clara para todos a definição deste
termo.
“O
gênero é uma construção social, onde homem e mulher têm papeis distintos, não
tem nada a ver com macho e fêmea, que é algo biológico. Esse entendimento é
recente, algo que é debatido há apenas 20 anos”, pondera Ceccarelli.
Um
das primeiras a abordar a questão no Brasil, a psicanalista e pensadora Maria
Rita Kehl aponta que o gênero adapta suas exigências às normas da cultura.
Desta forma, os neutros seriam uma consequência disto.
Como
exemplo, Maria Rita fala da mudança da percepção da homossexualidade na
sociedade ao longo dos anos. “O que até meados do século 20, no entender de
André Gide, seria ‘um desejo que não pode dizer seu nome’, hoje leva um milhão
de pessoas às ruas para exibir, com alegria, o que há menos de cem anos era uma
‘anormalidade’”, pontua a psicanalista.
“Em
todo caso, é importante observar que as estruturas psíquicas, até onde se sabe,
são as mesmas: neurose, perversão, psicose. Surgem novos sintomas, novas
expressões de desejo, novos ideais e novas proibições. E, numa cultura
permissiva como a nossa, novos destinos para a satisfação pulsional e a
sublimação”, pondera Maria Rita.
A
partir da sua experiência clínica com pacientes neutros que atendeu, Sadeeh
levanta outra questão. “Eles podem até existir. Mas quem chega até o
ambulatório com esta questão de gênero vem acompanhado de vários outros
problemas e distúrbios. É preciso um debate maior sobre a questão”, recomenda o
psiquiatra.
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