Arthur, 13 anos Foto: Rafa Borges |
Há momentos em que a criança se recusa a ser associado com a
identidade sexual (menino ou menina), que corresponde ao seu sexo anatômico. Esta
recusa não é um crescimento transitório e persistente. São as chamadas crianças
transgênero. O papel dos pais é
fundamental para o bem-estar das crianças transgênero, pois, à medida que vão
crescendo, crianças transgêneros experienciam rejeição e muitas vezes são
intimidadas, o que promove uma estigmatização e isolamento social. A reportagem
divulgada pelo iGay conta como é essa experiência familiar. (Jéssika Queiroz)
Por Iran Giusti
Arthur, transexual de 13 anos:
“Acham que só quero chamar atenção”
Mesmo enfrentando
preconceito e incompreensão fora de casa, o adolescente teve apoio total da
família para assumir gênero oposto ao de nascimento
Artur (Centro) e a família: Mãe Juliana da Silva Fernandes, os irmãos gêmeos, Enzo e Júlio e o pai Fabricio Alves. Foto: Rafa Borges |
"Mãe, tirei zero na prova de
História porque escrevi o meu nome social e não o de registro. A professora
disse que eu tinha rasurado". Em seu primeiro contato com a reportagem do
iGay, o menino Arthur Fernandes Alves já chega contando o
problema pelo qual passou na escola. A situação exemplifica o tipo de percalço
enfrentado por um menino transexual de 13 anos de idade, que vive em Ribeirão
Preto, no interior de São Paulo.
Apesar de incomodar, um problema como esse não abate Arthur.
Com seus cabelos azuis e camisa preta de banda, ele é um adolescente como
muitos outros, cheio de paixões e aspirações. Além dos HQs de mangás orientais,
o jovem se diverte ouvindo bandas como Green Day e MyChemical Romance.
Cabeleireiro e tatuador são as profissões que Arthur pensa
seguir quando for adulto. Cursando o oitavo ano do ensino fundamental, ele
aprendeu inglês e japonês estudando por conta própria em casa.
Nascido menina, Arthur se percebeu
diferente já aos quatro anos de idade. "Sempre gostei de andar com os
meninos, o melhor presente que ganhei na minha vida foi uma pista de
carrinhos", revela o adolescente, que teve a sorte de vir ao mundo num
ambiente livre de preconceitos. A mãe, Juliana da Silva Fernandes,
é uma bióloga de 36 anos. Psicólogo de formação, o pai, Fabrício Alves,
tem 37 e trabalha como bancário.
"Nós víamos que ele não gostava de boneca, de coisas
cor-de-rosa. Aí eu dizia para quem quisesse dar presente que desse roupa para
ele”, conta Juliana. No entanto, o apoio dos pais não evitou que Arthur
enfrentasse o preconceito quando tinha sete anos. Na época, ele cortou os
cabelos bem curtos e passou a sofrer agressões repetidas de uma colega de
escola. "Ela me batia e falava que menina tinha que gostar de rosa e ter
cabelo comprido", relata o adolescente, sem disfarçar a tristeza.
Juliana lembra que este momento marcou o início de uma fase
de isolamento do filho. "A partir daí, ele foi ficando introspectivo. Com
doze anos, já não falava com ninguém. Começou a se cortar nos braços e falava
que tinha um grande segredo", narra a mãe, que decidiu então, juntamente
com o marido, procurar ajuda de um psicólogo.
CONVERSA DEFINITIVA
Mesmo com acompanhamento psicológico, Arthur não conseguiu
se abrir e revelar o que o afligia. Juliana viu que era o caso de ter uma
conversa definitiva com o filho. "Foi mais de uma hora conversando. Quando
ele me falou que o segredo era a identidade de gênero, fiquei aliviada. Eu
tinha medo que fosse algo ruim, que ele tivesse sido abusado sexualmente",
explica ela, que àquela altura já tinha procurado a ajuda de três profissionais
diferentes. “Nenhum deles explicava nada, falavam que era fruto da separação
temporária que eu e o pai do Arthur tivemos. Mas a gente sabia que não era.”
Artur nasceu mulher, mas se percebeu homem aos 4 anos de idade Foto: Rafa Borges |
O alívio proporcionado pela conversa
foi tamanho que o adolescente saiu do quarto sem o nome feminino com o qual foi
batizado. Inspirado no vocalista do My Chemical Romance, Gerard Arthur Way,
ele escolheu ser chamado de Arthur.
Assumindo a identidade masculina, Arthur mudou o
guarda-roupa, adotou camisetas de banda como seu uniforme e passou a usar uma
faixa elástica para esconder os seios. "Minhas amigas usam dois sutiãs
para ter peitos e eu um colete e duas camisetas para não ter", ironiza o
adolescente, que mudou também de nome nas redes sociais.
“Foi tudo muito tranquilo, os irmãos dele me corrigiam no
começo porque eu continuava chamando pelo nome antigo sem querer”, admite
Juliana, que divide a compreensão serena da transexualidade de Arthur com o
marido. “Ele é meu filho e vai ser sempre amado, não tem porque não ser assim”,
afirma Fabrício.
“Minhas
amigas usam dois sutiãs para ter peitos e eu um colete e duas camisetas para
não ter (Arthur Fernandes)
O pai se incomoda apenas com a incompreensão de muitas
pessoas com assunto. “Queremos valer o que é de direito do Arthur. Alguns
funcionários e professores se recusam a chamar o Arthur pelo nome, mesmo com a
lei que os obriga, então queremos tentar fazer a alteração do nome nos
documentos”, argumenta Fabrício, referindo-se à lei estadual paulista
10.948/01, que pune atos de homofobia e obriga estabelecimentos e instituições
a respeitar o nome social dos transexuais.
FALTA INFORMAÇÃO E PREPARO
Fabricio, Juliana e Arthur percebem a falta de conhecimento
como fator desencadeador do preconceito. “Só encontramos informações muito
fragmentadas em blogs, sites e poucos livros. E o que há disponível não fala
sobre os transgêneros nesta idade”, reclama a mãe.
O pai vai além e aponta o despreparo do Sistema Único de
Saúde para lidar com a questão. “O SUS em tese cobre a cirurgia de adequação de
gênero, mas os postos de saúde não têm ideia do que se trata. Os programas de
atendimento ficam concentrados em São Paulo.”
Artur recebendo o carinho do pai. Foto: Rafa Borges |
“Eu sei que é difícil para todos os transexuais. Mas para
mim, às vezes, parece pior. Porque ninguém me leva a sério, acham que só quero
chamar atenção”, desabafa Arthur, que sente o preconceito em atos prosaicos
como a ida ao banheiro da escola. O adolescente usa o toalete dos professores,
por não se sentir confortável em usar o dos meninos.
“Apesar de mais aberta ao debate, a escola tem algumas
limitações. A diretora é ótima, muitos professores respeitam. Mas tivemos que
abrir algumas concessões, como a questão do banheiro, mas vamos resolver”, a Juliana. Arthur faz questão de ressaltar, no entanto, que recebe muito
apoio dos colegas.
“Sempre que um professor me trata de maneira errada, meus amigos
corrigem. Meu namorado também não tem problemas com a questão. Sei que tenho
muita sorte pela minha família que me aceita”, constata Arthur, exibindo uma
maturidade pouco comum a meninos de sua idade.
“Com
o Arthur, a gente sabe que tem um preconceito duplo, porque além de transexual,
ele é gay (Juliana da Silva Fernandes)
O namorado de Arthur tem o carinho de toda a família. “Ele é
um amor, não tenho do que reclamar. Infelizmente, temos tido alguns problemas
com a família dele, mas nem todo mundo lida bem. Com o Arthur, a gente sabe que
tem um preconceito duplo, porque além de transexual, ele é gay”, se resigna a
mãe.
Vem
da bisavó do jovem de cabelos azuis o argumento para desfazer a incompreensão
com o diferente. “Minha avó de 85 anos, que é bisa do Arthur, disse uma única
coisa sobre o assunto: ‘Menino ou menina, o amor é o mesmo’”, relata Juliana.
Quem passa algum tempo com a família Fernandes Alves não tem dúvida disso.
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